terça-feira

Isto de ser mãe

Sempre fui daquelas miúdas irritantes que dizia "Não quero ter filhos!".
Se calhar ao início fazia para irritar. Para mostrar que era adolescentemente diferente. E acho que me convenci disso.

Ou pelo menos não tinha nada que me fizesse querer dizer o contrário. Por egoísmo. Por não querer mudar nada. Por estar bem como estava. Não queria.

Mas quando o homem que escolhi para ficar ao meu lado queria ter filhos. Queria muito. E a coisa mudou. E se queria ficar com ele tinha que ceder.

E cedi.
Ou melhor, segui o percurso normal das coisas.

E o que eu quero dizer com tudo isto é que tudo custa mais quando não temos aquelas visão romântica da maternidade. As sequelas. A privação de sono. A cedência do nosso tempo. As birras.

Nas fases negras (que existem, oh se existem!) arrancam-nos "eu nunca pedi isto!".

Mas depois tudo muda.
Fica mais calmo.
O ser que só estava dependente de nós agora mima-nos. Quase que toma conta de nós só com um sorriso ou um carinho. Ganhamos um parceiro/a. Ganhamos novos gostos. Novos horários. Novos programas.

E deixar de ir a um jantar com amigos porque a babá não pode ficar, custa. Mas ir ao parquinho com ele vale por 3 jantares. 4!

E é assim: 2 anos depois não trocava nada. Acredito que evitava muito dos baby blues se quisesse mais ser mãe. Mas não queria. Paciência.
A evolução é igual.

Estou mais do que apaixonada pela minha família. E ganhei um amor novo, maior do que tudo o que já tinha conhecido.

Ganhei a minha visão romântica da maternidade.

PS - mas minha gente, falam-me em dar um irmão ao Gui e a minha resposta é "não não e não". Gosto disto assim. Não distabiliza, ya?!

Então porque é que ficas?

Tive um curto circuito em casa. Saldo: parede da cozinha preta, metade das tomadas electricas inactivas com microondas no quarto, frigo na cozinha e sem maquina de lavar a roupa. Ou seja, ando com uns bracinhos jeitosos à conta de lavar a roupa à mao.

O gerador está sem bateria. Por isso, quando falta a luz se não o ligamos em milesimos de segundo... ficamos mesmo sem luz.

A Strada roeu o fio da bomba de agua. Não, não morreu. Ficámos mesmo sem água.

Fazer planos semanais de comida é uma comédia. Porque da lista de supermercado faltam sempre coisas básicas como natas (há semanas que não encontro natas!!!), leite, carne branca, etc, etc... Ontem nem farinha nem ovos!
A missao de despachar as compraa do mês numa ida é impossivel e tenho que andar sempre de supermercado em supermercado para ter... coisas básicas!

Temos 2 carros parados porque não há cá as peças para eles. Sim podemos mandar vir, mas o transporte das peças fica tão caro que mais vale comprar um carro novo.

Temos um terceiro carro parado porque nenhum mecânico consegue perceber o que ele tem. Há um mecânico em Benguela que tem fama de ser bom mas... reboque para benguela vai dar ao mesmo do que "comprar carro novo".

A minha televisao deixou de dar. Assim! Puff! De repente aparece tudo codificado. Diz o expert do meu marido que é da box. Liguei à TVCabo e dizem que em 36 horas um técnico vai aparecer. Cheira-me que vou ter uma novela com este problema...

E é assim a nossa vida em Luanda.

Juntando que não me faz um stress não ter condições para ir passear, andar, espairecer.... fica tudo um bocadinho mais difícil.

E perguntam muitos "Então porque é que ficas?"

Há dias que não sei...

domingo

Há 2 anos

Há 2 anos estava internada no hospital.
Há 2 anos era muito mais imatura e egoista.
Há 2 anos tinha a visita diária da minha avó.
Há 2 anos a minha irmã do meio estava mais desligada. Como eu gosto das coisas como estão agora...
Há 2 anos a minha irmã mais velha tinha uma bebé com 2 meses e toda uma experiência para me passar.
Há 2 anos atrás a minha melhor amiga estava tão grávida quanto eu e era fantástico partilhar as experiências.
Há 2 anos estava ansiosa por não saber o que me esperava.
Há 2 anos foi a última noite que dormi seguida e descansada.

Porque mesmo com as ansiedades normais eu dormia descansada. Mesmo sabendo que não tinha nada preparado para a sua chegada, nada comprado, nem o quarto equipado... eu dormia bem descansada.

Há 2 anos atrás foi o último dia em que me conheci não sendo mãe.

sábado

Nova fase

4:00 da manhã.
Buááááááááá...
Sintonizo-me na frequência "tens que te levantar".
Levanto-me.
Tento abrir os olhos.
Chego ao berço.

Buááááá... áuuuua! Áuuua!!!

E dentro do meu cérebro oiço como se fosse coro de igreja "Aleluia, Aleluia, Aleluia!!!!"


Dei-lhe água.
Pegou na chupeta.
Deitou-se de costas para mim e assim ficou.

Chegámos à fase do "já começa a dizer o que quer".

Por isso é que devemos ter logo os bebés seguidos! Como é que eu agora vou querer voltar ao Buááááá indecifrável?!?!?! Não quero! Não vou!

quarta-feira

Adoptar animais de estimação.

O Brick não liga a ninguém. Não se roça em ninguém. Só pensa em dormir, afiar as unhas no meu sofá e saltar o muro.

A Strada roi tudo. TUDO. Roeu os tubos da bomba de água. Roeu a ficha eléctrica. Roeu os farolins dos carros. Roeu o tapete de entrada. Roeu a casota dela. Roeu 4 chupetas do Gui. Roeu e roi tudo o que apanha. Só sabe saltar para cima dos convidados e mal sais de casa se não fazes uma festinha suja-te logo a roupa.

O Kent não deixa que ninguém lhe dê banho. Rosna, morde, ataca. Ninguém lhe pode mostrar água que ele entra em stress. O Kent não quer saber de ninguém. O Kent ladra sempre que alguém passa ou ouve um barulho na rua. Ou seja... constantemente.

A Bé tem uma pata ferida que nunca mais vai conseguir pôr no chão. Tem um problema de pele que só surge quando compramos ração... barata. Por isso, a Bé, cadela de rua encontrada com os ossos a sair pela pele só come Royal Canin. E a Bé não pode ver ninguém desconhecido que ataca. Ataca mesmo. Todas as nossas visitas já tiveram um incidente com a Bé.

O Gucci ladra. Muito. Quando vê uma vassoura. Quando vê o aspirador. Quando o bebé toca flauta. Quando enchemos um balão. Quando alguém bate à porta. Quando o vizinho fala. Quando o guarda assobia. Está sempre em stress e já nem sei quantas vezes acordou o bebé.

O Roy é um senhor. Não liga a ninguém e nunca quer ser incomodado. Ganhou espaço na almofada onde eu durmo. Tirá-lo de lá é mentira. A meio da noite, quando me levanto por causa do Gui, quando volto para a cama...  lá está o Roy. E tirá-lo?! Ou isso ou enrola-se no meu pescoço e ficamos os dois a morrer de calorrrrrrr. Mas a carinha dele... uma infelicidade quando não o deixamos fazer o que quer. Um mimado!!!!

O Jeremias, o nosso primeiro! Era independente e não dava trabalho nenhum. Até ser atacado e ficar com uma hemiplegia. Temos que lhe dar comida à boca. Todos osdias. Isto quando não desaparece um dia inteiro e à noite lá começa a miar para lhe irem dar comida.

Todos nos dão dores de cabeça. Cada um à sua maneira. Mas amo todos muito muito muito.

O Brick não liga a ninguém, MAS quando o Gui se agarra a ele (e um bebé a agarrar um gato é coisa para se fugir!!!) fica quietinho, e deixa-o fazer tudo. Até fecha os olhos quando lhe dá beijinhos.

A Strada arrasta o Gui sempre que lhe puxa a cauda na brincadeira. Ele adora e farta-se de rir com ela.

O Kent quando me vê salta. Salta! Dos poucos momentos que o vejo feliz. E quando lhe abro a porta ele sai disparado, mas se vê o bebé avança com imenso cuidado.

A Bé... não tenho palavras para descrever o que sinto pela Bé. Vi a Bé pela primeira vez estava gravidissima e com as hormonas em alta. E a Bé na rua, com a sua pata para cima, com uma ferida infectada, a procurar um sitio calmo onde não a maltratassem. Desde aí foi amor incondicional. A Bé chora quando lhe dou festinhas. A Bé chora quando a pego ao colo, quando me sento junto a ela. Chora de alegria. Com a cauda a abanar devagarinho com muita calma para aproveitar todos os momentos desta nova vida. E sinto que tem o mesmo carinho com o Gui. O mesmo cuidado. E sobretudo muita paciência.

O Gucci é muito dedicado. Se alguém grita, se alguém ameaça, é o meu (e do bebé) principal defensor. Está sempre à procura de contacto e é a melhor companhia de sempre!

O Roy... o Roy foi o mais mimado de todos. Ia connosco para todo o lado. Até em restaurantes se sentou ao nosso lado. É o mais mimoso.

E o Jeremias... é o primeiro. O gato que não é gato. O gato que faz companhia. Que tomba quando lhe fazemos festinhas. Que mia quando nos vê chegar. E que felizmente volta sempre.

Para mim são todos filhos. TODOS.
E quando voltarmos... temos que arranjar condições para os levarmos.

quinta-feira

Aqui...

Aqui as janelas têm grades.
Aqui não se bebe água da torneira.
Aqui a comida estraga-se por não haver luz... o gerador estar avariado... e o frigorifico parado uma noite inteira.
Aqui há o bicho da mosca. E a bitacaia.
Aqui há mais jipes do que carros.
Aqui bebe-se gasosa ao pequeno-almoço.
Aqui o pequeno-almoço chama-se mata bicho.
Aqui os taxis são Hiaces apinhadas de gente.
Aqui as pessoas usam os chinelos um tamanho abaixo com o calcanhar a tocar no chão.
Aqui as kinguilas atiram beijinhos para o ar para sabermos que são... kinguilas.
Aqui ir ao banco é uma aventura que tanto pode demorar 5 min como 2 horas para fazer exactamente a mesma coisa.
Aqui tratar um documento é uma aventura ainda maior, mas que nunca demora menos de 2 horas, de cada vez que temos que ir onde quer que seja.
Aqui carregar o telemóvel faz-se comprando saldo.
Aqui vende-se um pouco de tudo pelas ruas... no meio do transito.
Aqui sexta é dia do homem.
Aqui há poças de àgua parada. E o lixo tem moscas. 
Aqui os varredores de rua varrem tanto pó como lixo.
Aqui temos que dormir com mosquiteiros.
Aqui os domingos são dias cantados de manhã e mais silenciosos durante o resto do dia.
Aqui beber Redbull de manhã é uma coisa normal.
Aqui diz-se Ainda para dizer Ainda Não.
Aqui ter tanque e gerador são necessidades básicas.
Aqui as mulheres trocam de cabelo a toda a hora.
Aqui as fotos dos presidentes de Angola estão expostas em todo o lado.
Aqui o trânsito é o caos.
Aqui a frase "estamos sem sistema"  é das mais conhecidas nos estabelecimentos públicos e bancos.
Aqui faz-se o melhor feijão com óleo de palma e muamba de galinha.

terça-feira

Queria ter mais tempo para o Gui. Mais ainda.
Tenho saudades de sair e ir dar uma volta. Só ir... passear os cães por exemplo.
Admiro as donas de casa que fazem uma refeição diferente ao almoço e ao jantar.
O Gui já diz tanta coisa.
Tenho tido tempo para mim.
Já tenho todas as prendas de natal.
Nunca há os vegetais que quero para fazer a sopa dele.
Ando a cozinhar cada vez pior.
Hoje tentei ensinar à Celeste os dias da semana.
Não há gargalhadas melhores do que as que ele solta quando brinca com o pai.
Tenho saudades da minha avó.
A minha vida profissional é capaz de dar uma grande volta neste 2015.
Já não me sentia tão entusiasmada para um natal como neste ano.
Temos os dois carros a dar sinais de que vão parar a qualquer momento.
Estou cada vez mais apaixonada pelo homem que escolhi.
Ando calma.
Adoro fazer a minha lista diária de débitos e créditos emocionais.
A Amarela desapareceu...
O Gui brinca tanto com o Guddi.
Há semanas que não ligo às noticias.
Tenho duas grandes amigas grávidas.
Gostava de ter uma semana só para mim e para as minhas pessoinhas em Portugal.
O Gui foge do bacio. Mas puxa o rabo da cadela grande.
Quando ele está de banco espalho os brinquedos todos pela sala.
Vou fazer sonhos e rabanadas no nosso natal.
Ter o meu pai cá deu-me outro espírito.
Já definimos as férias para o próximo ano.
Ele puxa as bolas de natal mas com cuidado.
Não tenho saudades de trabalhar em Portugal.
Está calor.
E chove.

Estou bem...

quinta-feira

Os meus 33

Os meus 33.

Eram para ser passados em sossego. Com calma.

Era para ter levado o meu bebé ao parque. Aquele parque que precisa de uma logistica de segurança tão grande que tem que ser muito bem combinado.

Era para ter combinado um jantar com as minhas amigas do coração cá... e quem sabe até com as novas amizades.

Era para ter pintado com as tintas novas do Gui... com ele... com tudo sujo.

Era para ter curtido o dia.


Mas não... saiu tudo ao contrário...

Os meus 33 foram passados em stress. Porque o meu pai está com uma pneumonia. Porque a minha avó precisa de ir às urgências e não há uma alminha que a leve. Uma única pessoa. Porque a minha irmã está com uma crise de stress sem razão. Porque o carro está com problemas e não dá para sair de casa. Porque não há água. Porque o marido não consegue chegar antes das 17h.

E pronto! É isto.

Planos... vou desligar a net. E vou desligar o botão.
O bebé vai acordar da sesta e eu vou curti-lo. Em casa e sozinhos. E vai saber-me muito bem!